sexta-feira, 8 de setembro de 2023

Divagações de hoje 08/09/2023


Acabei de ler: __ O Acerto de Contas de uma Mãe escrito por Sue Klebold
Fiz muitas anotações no livro, trechos que achei que me diziam respeito de alguma forma. 
Entre eles, esse: __Um amigo me disse uma vez que o cérebro em luto é como um modelo antigo de computador rodando um programa complexo demais para sua capacidade
 __ ele range, gagueja e para diante dos cálculos mais simples. Exigia um enorme esforço ouvir o que os outros diziam. Meu poder de concentração estava longe de ser restaurado, e os pensamentos acelerados sobre minha situação me mantinham em meu próprio mundo... Vivenciei isso na própria pele e ouvi isso de muitas mães enlutadas durante a minha jornada através do luto ... o círculo vicioso dos pensamentos, a alienação para os acontecimentos ao redor de mim, um mundo só meu que me deixou desatualizada do que acontecia por pelo menos 12 anos ...

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

40º aniversário do Felipe



Os dias  09/09/ e 19/09/ são dias que ficaram marcados. 
Não tem como apagar.
Hoje seria o 40º aniversário do meu filho.
Esse foi o tempo concedido a ele por aqui, 18 anos, 09 dias, 10 horas e 45 minutos.
É impossível esquecer o filho que se foi e eu não quero esquecer. 
Quero ele vivo em minha memória, em meu coração, em minha vida.
Eu me lembrarei todos os dias. Não voltarei a ser quem eu era mas as dores da minha alma não conseguiram tirar-me o encantamento pela vida,
pelas pequenas coisas, pela natureza,pela música.
Há em mim um mundo ao qual ninguém tem acesso, alguns chegam perto mas é só,é um canto do meu coração onde a saudade é minha companhia 
e  meu refúgio.
Vou seguindo meu caminho repleto de lembranças,e de questionamentos.
E se você não tivesse partido? Como teria sido a minha vida, a nossa vida? Como você estaria aos 40 anos?
Fico pensando que você perdeu muitos acontecimentos tão importantes, sei que é bobagem mas é assim que é.
Durante muito tempo, muitas coisas aconteceram ao meu redor e eu não me dei conta,´foi um tempo que eu vivi como se estivesse anestesiada,
indiferente ao que se passava ao redor, quando dei por mim o tempo tinha passado e me senti como se estivesse num outro mundo, num outro planeta, um mundo estranho onde eu não me reconhecia mais.
Ouço músicas que você gostava, algumas que exprimem o que eu gostaria de colocar em palavras mas não sei.
Hoje fiz um bolo, bem simples e O Arthur com os amiguinhos fizeram a festa. Sei que você está bem, domingo falei isso, que você com certeza estava melhor que eu. É um consolo bobo que me dou, já chorei tudo que tinha para chorar e como diz o Eclesiastes
Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu.
Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou;
Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar;
Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar;
Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar;
Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora;
Tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar;
Tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz.
Estou no meu tempo de me dar consolo ... até que nos encontremos novamente.



quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Trechos escolhidos de Stray Birds

Trechos escolhidos de Stray Birds.
( Pássaros perdidos )
Rabindranath Tagore
Uma tentativa de tradução da versão inglesa de 1916.
Tradutor um amigo que preferiu assinar como Tradutor anônimo
Pássaros perdidos do verão
vêm cantar em minha janela,
e seguem adiante voando.
E as folhas amareladas de outono,
que não sabem cantar,
flutuam e caem nela suspirando.
O mundo tira sua máscara de imensidão
e se mostra aos que amam.
Ele torna-se pequeno como uma canção,
como um beijo da eternidade.
A tua saudosa face abriga os meus sonhos
como chuva à noite.
Desde que sonhamos que éramos estranhos,
acordamos e descobrimos
o quanto somos próximos.
A tristeza se transforma em paz
em nossos corações
assim como o entardecer
entre as árvores silenciosas.
Os olhos que na noite
choram a ausência do sol, também perdem a visão das estrelas.Ouça, meu coração, os sussurros do mundo. São juras de amor por ti.Os mistérios da criação são grandescomo a imensidão da noite. As ilusões do conhecimento são fugazes como a neblina da manhã.O que você é você não vê.O que você vê é a sua sombra.Meu existir. Eis a constantesurpresa da vida.Deus espera uma respostapelas flores que nos manda,não pelo sol e a terra.A luz que brinca entre as folhas verdescomo uma criança nua,felizmente não sabe que o homemmente.Ó beleza, acha em ti mesma o amor,não nas lisonjas do espelho.As árvores surgem na minha janelacomo as vozes do desejode uma terra silenciosa.Cada nova manhã de Deusé uma surpresa para Ele.Respondendo aos chamados do mundoa vida encontra sua riqueza.Respondendo os chamados do amorencontra seu valor.O leito seco do rio não recebegratidão por seu passado.Eu não posso dizer por queeste coração adoece em silêncio.Por pequenas necessidadesque ele nunca pede,ou conhece, ou lembra?...O mundo atira-se sobre as cordasdo coração preguiçosotocando a música da tristeza.Quem faz de suas armas deuses.Quando suas armas vencemderrota-se a si mesmo.Deus descobre a si mesmo na criação.Estrelas não se incomodam deser confundidas comvaga-lumes.Eu sou grato por não ser nenhumadessas engrenagens da máquinado poder, mas sim um destesseres vivos que elas esmagam.Seu ídolo quebra-se na poeirapara provar que a poeira de Deusé maior do que o seu ídolo.Nossas vidas são dádivas.Nós só a possuímos se a doamos.Nós chegamos perto da grandezaquando crescemos em humildade.O pardal entristece-se pelo pavãopor causa do peso da sua cauda."Nunca tenha medo dos momentos"(canta a voz da eternidade).Toma do meu vinho em minha própria taça, amigo, pois ele perderá a grinalda de espuma se vertido em outras.A flor recém-nascida abre seu botãoe chora: "Querido mundo,por favor não vire deserto".Deus se aborrece com grandes reinosmas nunca com pequenas flores.Eu dou toda a minha água com alegria,diz cantando a cachoeira, não importa se um pouco jámataria a tua sede.Aonde se esconde a Fonte que jorra todas estas flores numa incessante erupção de êxtase?O machado do lenhador imploroupor um cabo. E a árvore lhe deu.A névoa, como o amor,brinca sobre o coração das colinase revela belezas surpreendentes.Não sabendo entender o mundoafirmamos que ele nos engana.Cada criança que chega neste mundotraz uma mensagem:Deus ainda não desistiu de nós.Deixe que a vida seja bonitacomo as flores do verão e a morte como as folhas de outono.Aquele que procura ser bombate no portão. Aquele que ama encontra o portão aberto.Aonde te escondes, ó fruto?Aqui em teu coração, ó flor.A bainha que protege a lâmina daespada alegra-se por não ter corte.Na escuridão o Uno parece uniforme,na luz parece múltiplo.O nascimento e morte das folhassão os giros rápidos do redemoinho,cujos círculos maiores movem-se lentosentre as estrelas.O poder disse para o mundo:Sois meu!E o mundo o aprisionou em um trono.O amor disse para o mundo:Sou teu. E o mundo o deixou escolher aonde morar.Aquietai-vos, meu coração.Estas grandes árvores rezam.O selo da morteé o que dá valor à moeda da vida;torna possível compará-la ao maisprecioso bem.A nuvem colocou-se humildementea um canto no céue a manhã coroou-a com esplendor.A terra em resposta aos insultosoferece flores.A música do verão passado voapelo outono a procura do seu ninho.O eco imita sua origem, para provarque ela é original.Deus envergonha-se quando nos vangloriamos de Seus favores.Só vejo em meu caminho a própriasombra, se a minha luz está apagada.O homem mistura-se à multidão barulhentapara não ouvir a voz do seu silêncio.As montanhas são como crianças quegritando, abrem seus braços paratocar as estrelas.A estrada sente-se solitáriase os viajantes não a amam.A força gabando-se do seu poder,provoca um sorriso complacentenas folhas amareladas que caem e nas nuvens que se dispersam.A noite, beijando o dia que se vai,sussurra no seu ouvido: "Eu sou a morte, sua mãe. Eu vimpara que você renasça".O poder de Deus é melhor percebidona brisa suave do que na tempestade.É a noite que abre as flores em silêncioenquanto o dia recebe os agradecimentos.As gotas de chuva beijaram a terrae sussurraram: " Somos teus saudososfilhos, mãe, voltando do espaço".O canal gosta de pensar que o rio existeapenas para servi-lo de água.Não sei o que me angustia mais:Se minha alma cativa tentando se libertarou a alma do mundo batendo na portado meu coração sem conseguir entrar.O pensamento alimenta-se de suas próprias palavras e cresce.Humildemente escondidanas montanhas distantes, a nuvemenche de água as taças do rio.A água num vaso é cristalina;a água no mar é escura.A meia-verdade vem em palavras claras.A verdade inteira vem misturada como silêncio.Aquele que está muito ocupadofazendo o bem, não tem tempode ser bom.O alvo sussurra para a flecha:"Tua liberdade é minha".Mulher, tens a música da fonte da vidaem teu sorriso.Uma mente muito lógicaé como uma faca de dois gumes.Faz sangrar a mão de quem a usa."Eu perdi as minhas gotas de orvalho",chorava a flor para o céu da manhã,que havia perdido todas as estrelas.Se elogios envergonham-meé porque secretamente anseio por eles.O melhor não vem só.Ele vem acompanhado de tudo o mais.A oração do fruto é preciosa.A oração das flores é doce.Mas deixa minha oração sercomo a oração das folhas,na sombra de sua devoção humilde.Deus espera de presenteas suas próprias florespelas mãos dos homens.Quando o homem é um animal,ele é o pior deles.As nuvens escuras tornam-sejóias do céuquando beijadas pela luz.Como o barco que tira sua graçado vento e das águas, o meu coraçãotira sua beleza do movimentodo mundo.A morte pertence à vida, assim comoo nascimento.O caminhar está no avançar do pé, assim como no seu retorno.Eu cheguei até você como um estranho,eu morei na sua casa como um hóspede,eu te deixei como um amigo,meu mundo.Eu te vi como uma criança semi-acordadavê a sua mãe na penumbra do quarto,sorri e então adormece em paz.Leva o meu coração ao centro doteu silêncio, para que ele se alimentedas tuas canções.A verdade faz nascer a última palavra.E a última palavra faz nascer a próxima.A tua luz que sorri sobre os diassombrios do inverno de meu coração,já advinha as flores da sua primavera.Em Seu amor Deus beija o finito,e o homem o infinito.Não me deixes envergonhar-te, Pai.Tu que depositaste tua glória nesta criança.Nós saberemos algum dia que a mortenão roubará aquilo que a alma ganhou.Pois já é parte dela.Eu escalei o pico da montanha e não achei abrigo na fama,ou nas alturas estéreis.Leve-me, meu Guia, antes que anoiteçapara o vale. Onde a colheitada vida amadurece em sabedoria.Deixe que estas sejam as minhasúltimas palavras "eu confio no Teu Amor".

domingo, 9 de dezembro de 2018

Não é sobre você

                                                                             
Quando a “anciã”, sua mestra, está morrendo, o Dr Estranho (“Doutor Estranho”, filme de 2016) projeta-se para fora do corpo para alcançá-la no plano extrafísico e convencê-la a retornar e reagir à morte. Então tem lugar um significativo diálogo, em que ela lhe fala da importância da morte e do quanto ele era arrogante e prepotente, que ela reconhecia seu notável desenvolvimento, mas que ele não tinha aprendido o básico:

"Não é sobre você"
Essa era a grande lição da vida naquele momento: 
"Não é sobre você!" 
É o que o ego inflado do herói, em algum ponto de sua jornada precisa descobrir 
para sair de cena e dar lugar para a alteridade se apresentar em sua imensidão. 
É o chamado à humildade, à reconexão com o fluxo essencial das coisas. 
A morte dos outros, as perdas, as partidas... nada é sobre você! 
As pessoas não te deixam. 
Elas não nascem nem morrem por sua causa.
As pessoas não vêem ao mundo para preencher sua vida, 
para te magoar, te perseguir, te amar ou te compreender.
As pessoas não estão interessadas na sua vida.
Não são elas que colocam dentro de você os sentimentos que você tem - rejeição, abandono, carência, medo, preenchimento, falta, felicidade, alegria, etc. 
Os acontecimentos não se dão por sua causa. 
Não é sobre você!
Se nem você se conhece, muito menos os outros sabem quem é você. 
Assim como você, agem movidos por seus próprios dramas, seus próprios impulsos e imagens, 
muito pouco sabendo até das próprias motivações.
Portanto, não é sobre você . 
O sol não nasce porque você nasceu nem a noite surgiu pela sua escuridão.
Não é o governo que te faz infeliz nem a ausência dos outros que te faz solitário.
Não é por você o movimento das marés. Não é pessoal.
Não é sobre você! 
Aquele que vive a jornada do herói, o caminho rumo à sua própria integralidade e transbordamento para o mundo, sai de cena, cede ao essencial e se deixa preencher.
Ele está livre. Tudo pode atravessá-lo e nada pode atingí-lo. 
A morte... a vida... qualquer coisa que seja dita ou escrita... nada é sobre você. 
Não é sobre você
Alexandre Xavier

segunda-feira, 25 de junho de 2018


ACALANTO DE MANUEL
(a partir do poema "Acalanto para mães que perderam o seu menino", de Manuel Bandeira)

Etel Frota
Agora dorme. Quem te alisa a testa, com amor
(nem Malatesta, nem Pantagruel)
é o menino que ainda vive e assim zela por ti
do oásis da lembrança, com todo o seu frescor.

Adolescente para sempre, hoje ele diz
de todas as idades que viveu
Te traz a aurora da primeira vez que te sorriu
te traz o esmalte do primeiro dente seu

Ele te nina e essa dor já vai passar
Agora dorme, que essa dor já vai passar.

sexta-feira, 22 de junho de 2018

Os Olhos Do Meu Filho





Os Olhos Do Meu Filho

Eu procuro me encontrar
nos inúmeros espelhos
que me fitam sempre atentos.
Não encontro o que procuro
apesar dos meus intentos.
O que busco nos espelhos
são os olhos de meu filho.
eu procuro me encontrar
debruçado em janelas
que me olham sempre aflito.
Não encontro o que quero,
engasgando o meu grito.
O que busco nas janelas
são os olhos do meu filho.
Eu procuro me encontrar
rogando ao infinito
o auxílio de avatares.
Não encontro o que busco
apesar dos meus pesares.
O que busco no universo,
são os olhos do meu filho.
Procuro encontrar o que almejo,
fruto de uma doação,
nessa sempre incansável corrida,
que aquece o coração.
Para conseguir continuar minha festa
e poder celebrar a vida
quero encontrar o que resta
do brilho do olhar do meu filho.
(Antônio Carlos Tórtoro)



Invocação




INVOCAÇÃO

Nada mais pode curar esta ferida;
Só a terra e o pó
Podem estancar esta dor.
Derramai a terra gentil,
Em cujos grãos a vida
Se prende de mil modos,
Jogai-a sobre minha cabeça e meu coração;
Somente isso me pode curar.

O bálsamo do maior dom da vida:
A morte, majestosa, final, selo dos selos.
Dai-me isso para estancar meu sangue,
Pois a ferida sangra sem sessar.
Eu desmaio, eu cambaleio, eu caio;
Ah, Deus! Misericórdia!
Não nos escutas?
Também nos negas teus ouvidos
Como Tua face
Que nos mostravas
Na face de um ser amado?

Piedade, ó Compassivo!
Rebenta as cadeias,
Liberta-me.
Todo o meu ser anseia,
Como um rio inquieto,
Pelo deserto da morte!

18 de dezembro de 1957

Amat'ul Bahá Rúhiyyih Khanun


quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Simmel J.M.

Quando morreres, quando tua alma imortal abandonar teu corpo, serás colocado dentro de um ataúde após alguns preparativos, e serás levado para um jardim imenso com grama alta, onde cantam os rouxinóis.
Descer-te-ão à sepultura, jogarão terra sobre teu corpo e erguerão uma lápide com teu nome. Nem todas as pessoas morrem de maneira tão distinta; algumas simplesmente ficam jogadas em qualquer lugar e ninguém se importa com elas; outras, pelo fim que levaram, escapam a qualquer ocupação póstuma com seus restos mortais. A maioria, no entanto, encontra uma sepultura. Algum sacerdote faz uma oração; às vezes alguém chora antes que fiques só. Prometem que nunca serás esquecido, o que não deixa de ser um consolo, mas também um tanto ridículo... pois tudo se esquece depois de algum tempo. Tudo. Quando morreres terás o teu próprio paraíso. Ninguém mais poderá importunar-te em tua sepultura. Descansarás em paz.
O vento sopra, as nuvens passam; o dia passa, a noite chega. O verão se despede, a neve e a chuva fria te cobrem. Tudo isto já não te importa, repousas lá no fundo. O ano acaba. Mais uma vez chega a primavera e volta o verão. É o
mesmo sol que brilha, que ilumina a tua campa; sempre o mesmo.
Se, tiveres uma crença e levado uma vida temente a Deus,
então confiarás que o Todo-Poderoso há de receber-te em Seu reino celestial, onde os anjos tocam suas harpas, e terás a bem-aventurança infinita. Se no entanto, tiveres criado para ti uma visão do mundo baseado na física, acreditarás que os componentes orgânicos de teu corpo, transformados em ácido carbônico e amoníaco, irão se espalhar pela terra seguindo a lei da difusão, servindo para o nascimento de plantas e árvores. Por isto acreditas que toda flor, todo animal contêm uma parte do teu corpo. A
substância inorgânica do teu corpo, os sais de cálcio e de fósforo se
desintegrarão, dissolvendo-se na chuva e na água das correntes. A energia contida em teu corpo sairá dele, transformando-se em calor e formará parte da energia do mundo. Esta será a verdadeira ressurreição da morte, para quem, como, levou uma vida dedicada à química. Nesta convicção, viverás em paz com o que está por acontecer, sabendo que a morte nada mais é do que uma
conseqüência necessária de toda a vida. Nunca somos os mesmos. com a morte, no entanto, sofremos nossa maior transformação. Muita coisa acontece quando morremos. Mas não é tão fácil morrer.
Excerto:Amanhã Será Outro Dia
pgs 67-68 (J.M.Simmel)

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Milan Kundera - Lentidão e Velocidade






Há um elo secreto entre a lentidão e a memória, 
entre a velocidade e o esquecimento. 
Evoquemos uma situação extremamente banal: 
um homem caminha na rua.
De repente, quer lembrar-se de qualquer coisa, 
mas a lembrança escapa-lhe.
Nesse momento, maquinalmente, 
o homem atrasa o passo.
Pelo contrário, alguém que queira esquecer um incidente penoso 
que acaba de viver acelera sem dar por isso,
o ritmo da sua marcha 
como se quisesse afastar-se depressa 
do que no tempo lhe estará demasiado perto.
Na matemática existencial, 
esta experiência assume a forma de duas equações elementares: 
o grau da lentidão é diretamente proporcional 
à intensidade da memória; 
o grau da velocidade é diretamente proporcional 
à intensidade do esquecimento.

Milan Kundera

Fez sentido para mim ... o grau de velocidade ... 

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

O Segredo



O Segredo

Curvei-me ante a Morte
E disse-lhe “Bom-dia,
Não ficarás comigo
Para uma dança?“

Ela sorriu forçado e se curvou,
Por sua vez, em longa deferência;
E pensei: ela não despreza
Meu convite.

Mas quando foi hora
De iniciar a dança
Ela não assumiu seu posto;
Apenas ficou olhando.

“Por que apenas olhas,
Parceira minha”, disse eu
“Vem! pois tentarei
Uma valsa contigo.”

Ela me olhou
Por longo tempo
E então disse sorrindo:
“Danço contigo
Todo o tempo
Pois estou em ti,
Sempre e sempre,
Minha fibra está lá.”

“Quê? Eu tão cheia
De sangue e vida,
Em meu coração não bate
Nem esforço nem dor!”

“Mesmo assim”,
Disse-me a Morte,
“Eu estou em ti. 
Vê teu interior!”

Senti, ao observar
Minhas mãos,
Os ossos nus
Dentro da carne,

E todo meu ser
Era pleno de ossos,
Minha caveira como pedra
Atrás de meu rosto vivo.

“Sou um esqueleto”
Disse-lhe eu,
“Muito antes de morrer
Tu estás em mim!”

Ela sorriu de novo,
Um sorriso gentil,
“Espera mais um pouco
E eu chegarei

“E te chamarei
Para mim, para o amor, para a vida
Para longe da luta,
Para os campos da paz;

“Lá colherás
Margaridas
Nos campos raros
Cada flor uma estrela;

“Não terás angústias
Nem pesar nem lágrimas;
Eu te prometo o sono
E o descanso afinal;

“Sê paciente mais um pouco,
Vê como cada dia eu cresço
Em ti, mais profundo meu domínio
Sobre tua vida.”

O esqueleto
Brilha como uma luz
Através da pele tão fina,
Até que enfim
Ele consome
A gaiola, e livre
Virás a mim,
Mas não agora.

Amatu'l-Bahá Ruhíyyih Khanum
18 de janeiro de 1958

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Exausto



Exausto
Eu quero uma licença de dormir,
perdão pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
foi o sono profundo das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raízes.
Adélia Prado

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Um homem doente faz a oração da manhã



Um homem doente faz a oração da manhã
Pelo sinal da Santa Cruz,
chegue até Vós meu ventre dilatado
e Vos comova, Senhor, meu mal sem cura.
Inauguro o dia, eu que ao meu crédito explico
que passei em claro a treva da noite.
Escutei – e é quando às vezes descanso –
vozes de há mais de trinta anos.
Vi no meio da noite nesgas claríssimas de sol.
Minha mãe falou,
enxotei gatos lambendo
O prato da minha infância.
Livrai-me de lançar contra Vós
a tristeza do meu corpo
e seu apodrecimento cuidadoso.
Mas desabafo dizendo:
que irado amor Vós tendes.
Tem piedade de mim,
tem piedade de mim
pelo sinal da Vossa Cruz
que faço na testa, na boca, no coração.
Da ponta dos pés à cabeça,
de palma à palma da mão.
Adélia Prado
De Bagagem, em Poesia Reunida, pag. 51, Editora Siciliano – 1991

Poderia bem ser oração de uma mulher 





Poema Esquisito
Dói-me a cabeça aos trinta e nove anos.
Não é hábito. É rarissimamente que ela dói.
Ninguém tem culpa. Meu pai, minha mãe descansaram seus fardos,
não existe mais o modo 
de eles terem seus olhos sobre mim. 
Mãe, ô mãe, ô pai, meu pai. Onde estão escondidos?
É dentro de mim que eles estão.
Não fiz mausoléu pra eles, pus os dois no chão.
Nasceu lá, porque quis, um pé de saudade roxa, 
que abunda nos cemitérios.
Quem plantou foi o vento, a água da chuva.
Quem vai matar é o sol. 
Passou finados não fui lá, aniversário também não.
Pra quê, se pra chorar qualquer lugar me cabe?
É de tanto lembrá-los que eu não vou.
Ôôôô pai 
Ôôôô mãe 
Dentro de mim eles respondem 
tenazes e duros
porque o zelo do espírito é sem meiguices:
Ôôôôi fia.
Adélia Prado

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Carta aos Mortos - divagações


Carta aos Mortos

Amigos, nada mudou 
em essência. 
Os salários mal dão para os gastos, 
as guerras não terminaram 
e há vírus novos e terríveis, 
embora o avanço da medicina. 
Volta e meia um vizinho 
tomba morto por questão de amor. 
Há filmes interessantes, é verdade, 
e como sempre, mulheres portentosas 
nos seduzem com suas bocas e pernas, 
mas em matéria de amor 
não inventamos nenhuma posição nova. 
Alguns cosmonautas ficam no espaço 
seis meses ou mais, testando a engrenagem 
e a solidão. 
Em cada olimpíada há récordes previstos 
e nos países, avanços e recuos sociais. 
Mas nenhum pássaro mudou seu canto 
com a modernidade. 

Reencenamos as mesmas tragédias gregas, 
relemos o Quixote, e a primavera 
chega pontualmente cada ano. 

Alguns hábitos, rios e florestas 
se perderam. 
Ninguém mais coloca cadeiras na calçada 
ou toma a fresca da tarde, 
mas temos máquinas velocíssimas 
que nos dispensam de pensar. 

Sobre o desaparecimento dos dinossauros 
e a formação das galáxias 
não avançamos nada. 
Roupas vão e voltam com as modas. 
Governos fortes caem, outros se levantam, 
países se dividem 
e as formigas e abelhas continuam 
fiéis ao seu trabalho. 

Nada mudou em essência. 

Cantamos parabéns nas festas, 
discutimos futebol na esquina 
morremos em estúpidos desastres 
e volta e meia 
um de nós olha o céu quando estrelado 
com o mesmo pasmo das cavernas. 
E cada geração , insolente, 
continua a achar 
que vive no ápice da história.


Affonso Romano de Sant'Anna 


Hoje foi assim, nublado, tenso, prenúncio de tempestade.
Tem alguns dias que ando sentindo o desconforto da tempestade chegando.
Tão conhecida já. Um não sei que de insatisfação com tudo ... já sei. É o prenúncio. Hoje fui andar ai conforme me foi indicado. Fazer sozinha o que fazíamos juntos. Ainda não gosto de ir. Pequenas coisas ... tão insignificantes e são essas que deixam marcas, deixam saudade. 

terça-feira, 1 de novembro de 2016

SONETO DE JÓ




SONETO DE JÓ

“Este grito que é rio amargo choro
que não é meu apenas, mas de todos
que o filtro das insônias decantou,
ouve-o, senhor, que é grito de infelizes.
Perdi-me e te procuro pela névoa
no céu em fogo, no calado mar,
a teus pés volto. 
Faça-se o que queres.
Tanto me destes que por mais que tires
sempre me resta do que tu me destes.
Deus necessita do perdão dos homens
e é esse perdão que venho te trazer.
Com o coração rasgado mais ao alto,
Senhor Te entrego os filhos que levastes
pelo amor dos filhos que ficaram”.

Odilo da Costa Filho

Soneto de Ausência


Soneto de Ausência.

“Não te ter ao meu lado dói-me fundo
na alma e no corpo como se rasgada
me fosse a carne ou se no mar profundo
tivesse a luz da vida mergulhada.
Só por teus olhos vejo e, assim, perdida 
tua presença, a cor mais violenta,
no amargor das neblinas escondidas,
cega na terra a graça que a sustenta.
Se no mercado indígena africano
acho em frutas e agentes o sabor
das manhãs do outro lado do Oceano
quando era adolescente o nosso amor
mais fere a tua ausência que eu
não tenho olhar quando me falta o teu”.

Odylo da Costa Filho

MEU FILHO, MEU FILHO



“As árvores na estrada
meu filho, meu filho
As estrelas da noite
e tuas mãos geladas
Mas de repente somes
levado pelo vento
não tardas a voltar
sepulto num soluço
que no pudor se esconde
A presença incorpórea
tem cabelos e risos
Teus olhos me olham fundo
do centro da escuridão
A presença incorpórea
é lâmina precisa
que não me traz a morte
antes me curva à vida
Em todas as viagens
– e muitas haverá até a derradeira – 
ter-te ao meu lado sempre
meu filho, meu filho”.

A Meu Filho



“Recorro a ti para não separar-me
 deste chão de sargaços mais de flores,
 onde os bichos que amastes mais o frutos
 que em tuas mãos plantavas e colhias.
 Por essas mãos te peço que me ajudes
 e que afastes de mim com dentes alvos do teu riso 
contido mais presente
a tentação da morte voluntária.
Não deixes, filho meu, que a dor de amar-te
 me tire o gosto do terreno barro
 e a coragem dos lúcidos deveres.
 Que estas árvores guardem no céu puro,
 entre rastros de estrelas e lembranças
 dos teus humanos olhos deslumbrados”.

Odylo da Costa Filho
Publicado em Cantiga Incompleta, 1971

“Odylo não foi sempre um poeta em exercícios constantes. Tão esporadicamente atendia aos chamados da grande Musa, que chegou a ser incluso, por Manuel Bandeira, na Antologia dos Poetas Bissextos. A partir de 1963, é que, levado “por circunstâncias dolorosas”, entrega-se inteira/intensamente ao labor/lavor poético, produzindo o que o mesmo Manuel Bandeira viria a considerar “os mais belos poemas da poesia de língua portuguesa”. Instado pela dolorosa (e trágica) perda de um filho adolescente (Odylinho), portador do seu nome, o poeta concebe e dá à luz, nessa imensa dor, as mais sublimes joias poéticas, que tão bem fazem jus à classificação do mestre Bandeira”. 

Para os Que Realmente Passaram a Viver



Quando Eu Morrer ...
Para os Que Realmente Passaram a Viver
Não, eu não chorarei os meus mortos simplesmente porque
a morte não existe e a vida não pára, a vida continua!
Não, eu não me desesperarei ante o que chamam o eterno adeus:
eu sei que a morte é o parto da eternidade e, nela, a morte é que morrerá!
Não, eu não pensarei sequer que a saudade será algo feito para que eu pranteie,
para que eu deplore: pelo contrário.
Dentro da saudade haverá a esperança certeza de que um dia virá em que não mais será preciso ter saudade.
Não, eu não pensarei que a vida é o intervalo
entre duas datas escritas num pedaço de mármore com letras feita de flores...Eu não irei para os jazigos recitar fúnebres monólogos, compor frases perdidas que todas rimarão com nunca mais:ali, em silenciosa prece, eu me entregarei ao diálogo entre vidas que sabem que irão reunir-se um dia..Irei falar, é certo, de uma falta que não foi suprida, de uma ausência que não foi esquecida,mas, por isto mesmo, direi tranqüilo que o que parece despedida é apenas um até a vista um até para sempre e um dia...A tristeza não será desespero, o pranto não será sepultura, a lembrança tortura não será, porque, no fundo do ser,que espera, que confia, que acredita, há a crença total de que os olhos que se fecham para a treva abrir-se-ão de fato para a luz,de que o fim é apenas o começo real, de que a morte é a porta da ressurreição.O lenço que enxugará o meu pranto será todo feito de nuvens, além das quais existe a vida, vida que não vai para baixo do chão, vida que não se transforma em pó, vida que vivem os que para ela se foram não sabemos quanto tempo antes de nós,mas para a qual nos encaminhamos com a serenidade dos que sabem que não estão se despedindo, mas preparando o local e o momento em que o encontro feliz se dará!
Do livro "A Vida Passou Por Mim" de: Jose Wanderley Dias

“O que vale, a cada um de nós, é encararmos o nosso fim como não
sendo realmente o fim: é etapa a ser cumprida, meta a que atingiremos,
e que nos cumpre atingir bem.” (José Wanderley Dias).

Durante muito tempo acompanhei a coluna "A Vista do Meu Ponto" de José Wanderley Dias no jornal A Gazeta do Povo ... 

Escritor, advogado, jornalista e professor, José Wanderley Dias faleceu em 9 de julho de 1992, na região metropolitana de Belo Horizonte, em decorrência de grave acidente automobilístico, aos 67 anos, juntamente com sua esposa Neusa Maria Soares Dias, de 60 anos.




A mulher e o seu menino

Mulher de pedra,
que é do menino
que houve em teu doce
braço divino,
_ nesse teu braço
que ainda está preso,
plácido e curvo,
à eterna ideia
de um vago peso?
"Vento do tempo
me estremeceu:
ele era pedra
da minha pedra,
mas nunca soube
se era bem meu.
Vento do tempo
passou por mim:
foi-se o menino,
deixou-me assim.
Foi sem palavras.
Tão pequenino,
que ia falar?
Talvez soubesse
para onde é que ia...
Eu não conheço
senão meu peito:
há outro lugar?
Tem vindo coisas:
não sei que são.
Coisas que cantam,
coisas que brilham.
Mas ele, não.
E era tão feito
só de ficar
que, embora longe,
sinto-o comigo:
meu braço é sempre
sua cadeira,
todo o meu corpo
seu espaldar."
Mulher de pedra,
que é do menino?
"Vento do tempo
quebrou meu seio
para o arrancar.
A mim, deixou-me.
A ele, levou-o.
(Há algum lugar?)
Desde o Princípio,
comigo vinha.
Meu nascimento
nele nasceu.
Foi-se _ por onde? _
tudo que eu tinha.
Ele era pedra
da minha pedra,
porém é certo
que nunca soube
se era bem meu..."
Cecília Meireles

Catando os cacos do caos

Catar os cacos do caos
como quem cata no deserto
o cacto
- como se fosse flor.
Catar os restos e ossos
da utopia
como de porta em porta
o lixeiro apanha
detritos da festa fria
e pobre no crepúsculo
se aquece na fogueira erguida
com os destroços do dia.
Catar a verdade contida
em cada concha de mão,
como o mendigo cata as pulgas
no pêlo
- do dia cão.
Recortar o sentido
como o alfaiate-artista,
costurá-lo pelo avesso
com a inconsútil emenda
à vista.
Como o arqueólogo
reunir os fragmentos,
como se ao vento
se pudessem pedir as flores
despetaladas no tempo.
Catar os cacos de Dionisio
e Baco, no mosaico antigo
e no copo seco erguido
beber o vinho
ou sangue vertido.
Catar os cacos de Orfeu partido
pela paixão das bacantes
e com Prometeu refazer
o fígado
- como era antes.
Catar palavras cortantes
no rio do escuro instante
e descobrir nessas pedras
o brilho do diamante.
É um quebra-cabeça?
Então
de cabeça quebrada vamos
sobre a parede do nada
deixar gravada a emoção
Cacos de mim
Cacos do não
Cacos do sim
Cacos do antes
Cacos do fimNão é dentro
nem fora
embora seja dentro e fora
no nunca e a toda hora
que violento
o sentido nos deflora.
Catar os cacos
do presente e outrora
e enfrentar a noite
com o vitral da aurora.

Affonso Romano de Sant'Anna